O tarifaço de Donald Trump contra produtos do Brasil, anunciado em julho e em vigor desde a última quarta-feira (6), vai ter mais efeitos mais localizados do que sobre a economia como um todo. Mesmo assim, analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que é um dos piores momentos nas relações entre os dois países.
Os EUA justificaram as medidas declarando “emergência nacional” em resposta a ações do governo brasileiro consideradas ameaças à segurança, política externa e economia americanas, mencionando especificamente o Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Alexandre de Moraes.
O BTG Pactual calcula que a tarifa média sobre os produtos brasileiros aumentou 30 vezes em relação à do ano passado, que era de 1,3%. O banco aponta que a decisão dos Estados Unidos em estabelecer uma ampla lista de isenções limita os impactos sobre a economia brasileira. Cerca de 43% da pauta exportadora brasileira ainda enfrentará tarifas competitivas nos EUA e parte das exportações afetadas deverá ser redirecionada para outros mercados ao longo dos próximos trimestres.
Os Estados Unidos ainda podem tomar mais medidas contra o Brasil, que é investigado por práticas comerciais consideradas “injustas” pela maior economia global. As medidas podem ajudar a desestabilizar cadeias produtivas, reduzir investimentos, afetar o emprego e a atividade econômica.
Com o Brasil já enfrentando incertezas fiscais e pressões macroeconômicas, essa possibilidade ao lado do tarifaço representa choques adicionais, elevando custos de capital, reduzindo previsibilidade dos negócios e gerando volatilidade cambial.
Quais os efeitos sobre o emprego e a atividade econômica?
Um estudo da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) prevê que com o tarifaço haja uma redução de R$ 25,8 bilhões no PIB brasileiro em até dois anos, com a perda de 146 mil postos de trabalho formais e informais e uma redução de R$ 2,74 bilhões na renda das famílias. As perdas em até dez anos poderiam chegar a quase 1% do PIB, afetando 618 mil postos de trabalho e reduzindo os ganhos das famílias em R$ 11,6 bilhões.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) chegou a calcular que, com retaliações profundas de ambos os lados, poderiam ser fechados 5 milhões de empregos em até 10 anos, custando 6% do PIB.
A lista de exceções anunciada pelo governo americano, que inclui 694 produtos que não terão o adicional de 40%, amenizou o impacto inicial. Avaliações mais recentes indicam que o impacto macroeconômico direto deve ser limitado. A XP Investimentos reduziu sua projeção de crescimento do PIB para 2025 de 2,5% para 2,2%.
Segundo o UBS Wealth Management, a limitação dos efeitos ocorre porque o Brasil tem uma economia relativamente fechada, com exportações e importações que somaram apenas 28% do PIB em 2024. Além disso, os EUA representaram 16% do total das exportações brasileiras no ano passado, o que é menos de 2% do PIB.
O que pode acontecer com a inflação?
O tarifaço imposto pelos Estados Unidos deve ter efeitos sobre os preços e sobre os juros, apontam especialistas.
No campo da inflação, o impacto é multifacetado e pode mudar ao longo do tempo. Em um primeiro momento, a maior oferta de produtos que teriam como destino o mercado americano – como carne bovina e pescados – pode aliviar os preços no mercado interno, gerando uma desaceleração pontual no IPCA, destaca a Blue3 Investimentos.
As tarifas de Trump também reduzem a inflação no curto prazo ao aumentar a oferta de produtos estrangeiros no Brasil, principalmente chineses, gerando excesso de oferta local.
No médio e longo prazo, o cenário se torna mais complexo. Dificuldades nas exportações podem reduzir a produção futura – como a diminuição do abate de fêmeas bovinas –, impulsionando novamente os preços. Paralelamente, a busca por novos mercados e adaptação das cadeias de valor podem normalizar ou elevar os preços.
Como o tarifaço de Trump afeta as exportações brasileiras para os EUA?
Apesar da lista de exceções, um levantamento da CNI mostra que 77,8% da pauta exportadora brasileira para os EUA está sujeita a algum tipo de taxação por parte dos Estados Unidos e mais da metade das exportações enfrentarão sobretaxas de 50%.
A maior economia global é o principal destino das exportações da indústria de transformação brasileira. No ano passado, a cada R$ 1 bilhão exportado ao mercado americano, foram gerados 24,3 mil empregos, R$ 531,8 milhões em rendimentos para as famílias e R$ 3,2 bilhões em produção no Brasil.
Joseph Couri, presidente do Sindicato da Micro e Pequena Indústria (Simpi), alerta que o Brasil deixará de ser competitivo se a tarifa de 50% se mantiver, e importadores buscarão alternativas em outros países com tarifas menores. Empresas que dependem fortemente de exportações são forçadas a absorver o custo da tarifa, comprometendo margens e capital de giro.
O resultado imediato pode ser o redirecionamento da produção para o mercado interno, aumentando a oferta e gerando uma queda pontual nos preços, embora a longo prazo possa levar a redução da produção e consequente aumento de preços.
Quais segmentos da economia brasileira são os mais prejudicados pelas tarifas?
O tarifaço impõe um ônus significativo a vários segmentos, especialmente grande parte do agronegócio e aqueles com maior valor agregado e pode ter maior efeito sobre empresas de médio porte.
“Diferentemente das exportações para a China, que são basicamente de commodities produzidas por grandes empresas, como a Petrobras e a Vale, para os Estados Unidos a pauta é bem diversificada. Com isso, a sobretaxa terá um impacto grande para as médias empresas que têm os Estados Unidos um destino importante para suas exportações”, diz Bruno Carazza, professor associado da Fundação Dom Cabral (FDC).
Os segmentos com maior número de produtos exportados afetados pela sobretaxa combinada de 50% são vestuário e acessórios, máquinas e equipamentos, têxteis, alimentos, químicos e couro e calçados.
- Carne bovina e pescados: Com uma tarifa total de 74%, a exportação de carne bovina para os EUA torna-se economicamente inviável. Isso afeta diretamente frigoríficos como JBS e Marfrig. A piscicultura, como a produção de tilápia, também é altamente vulnerável, pois tem forte dependência do mercado americano.
- Minério de ferro e metais básicos: Tarifas de 50% sobre minério de ferro e outras alíquotas sobre metais básicos inviabilizam economicamente as vendas para os EUA. Empresas como Vale e CSN Mineração são diretamente impactadas.
- Açúcar: O Brasil, afetadas produtor e exportador global, pode ver suas exportações para os EUA inviabilizadas pela tarifa de 50%, afetando empresas como Cosan e São Martinho.
- Autopeças: A imposição de tarifas (27,5% para veículos leves e 52,5% para tratores/caminhões) torna as exportações para os EUA não competitivas. Fras-le e Iochpe-Maxion e Metalúrgica Gerdau estão entre as mais afetadas.
- Máquinas e equipamentos: Segmento com negócios que também podem ser fortemente afetados, atingindo empresas como WEG, Tupy e Randon. Os EUA são o principal destino das exportações brasileiras do setor.
- Celulose e papel: Tarifa de 50% sobre a celulose inviabiliza as exportações, forçando uma reconfiguração massiva das cadeias de suprimentos. Suzano é a mais exposta, com parcela significativa de sua receita vinda da América do Norte.
- Têxteis e calçados: Com alta exposição ao mercado americano, tarifas de até 50% inviabilizam as vendas, afetando Alpargatas e Arezzo e o emprego em polos industriais como o Sul do Brasil.
- Micro e pequenas empresas (MPEs): São as primeiras a cair em um “cenário de guerra tarifária”, com previsões de que muitas serão expulsas das cadeias internacionais de exportação.
Quais segmentos foram menos afetados pelas tarifas e por quê?
A lista de exceções do decreto americano revela uma lógica pragmática dos EUA: preservar produtos essenciais para suas cadeias produtivas e aqueles em que o Brasil ocupa posição de destaque na cadeia de suprimentos global.
- Petróleo e derivados: O setor de energia foi amplamente beneficiado, com quase todas as exportações isentas do adicional de 40%. Isso neutraliza grande parte do impacto previsto, e a Petrobras é a principal beneficiada, mantendo acesso irrestrito ao mercado americano, o que garante estabilidade de receita.
- Aeronáutica: A indústria aeronáutica foi explicitamente excluída das novas tarifas. A Embraer, principal beneficiária, tem forte presença no mercado americano e dependência de importação de peças-chave do Brasil. Essa isenção foi resultado de um movimento estratégico e da articulação política da empresa, que se posicionou como parceira estratégica dos EUA.
- Suco de laranja: Embora a maioria dos alimentos tenha sido afetada, o setor de suco de laranja ficou com uma tarifa mais moderada (10%), colocando o Brasil em posição de relativa vantagem ou estabilidade. Grandes empresas como Cutrale e Citrosuco são beneficiárias diretas, pois a tarifa reduzida mantém o acesso ao mercado americano, um dos mais importantes.
Como ficam os investimentos no Brasil?
O tarifaço de Trump fez com que muitas empresas revissem sua estratégia no Brasi e colocassem em prática planos que já tinham sido desenhados. O atual cenário econômico e geopolítico tem levado empresas brasileiras de diferentes setores a repensar suas estratégias de investimento, priorizando mercados externos — especialmente os Estados Unidos — em detrimento do Brasil.
A Gerdau exemplifica bem este movimento. Embora tenha exposição diversificada, a companhia sofre impacto significativo do setor automotivo e de autopeças. Entre janeiro e julho, a empresa demitiu 1,5 mil funcionários apenas em unidades paulistas, respondendo ao aumento das importações de aço no Brasil — especialmente originárias da China — e à ausência de medidas eficazes do governo para proteger a indústria nacional.
A siderúrgica confirmou que reduzirá investimentos no Brasil a partir de 2026, reavaliando sua estratégia doméstica. Ao mesmo tempo, manterá aportes nos Estados Unidos, onde identifica ambiente favorável e políticas de incentivo à reindustrialização.
A Taurus confirmou a transferência de parte da produção do Brasil para os Estados Unidos devido à política tarifária de 50%. A partir de setembro, 900 das 2,1 mil armas da família G produzidas diariamente no país passarão a ser fabricadas em solo americano. A companhia já possui fábrica na Geórgia e pretende ampliar as linhas de produção local.
O segmento de máquinas e equipamentos, com empresas como WEG, Tupy e Randon, também enfrenta inviabilização de exportações para os EUA. A resiliência dependerá da capacidade de adaptação e diversificação.
A WEG pode mitigar o impacto redirecionando produção para fábricas nos Estados Unidos, enquanto a Embraer, apesar de isenta de tarifas mais altas, tem planos de ampliar investimentos americanos, dependendo das vendas do cargueiro militar KC-390.
Como ficam os investimentos das empresas americanas após o tarifaço de Trump ao Brasil?
Os Estados Unidos são o principal investidor no Brasil e o principal destino dos investimentos brasileiros no exterior, o que reforça a interdependência e integração produtiva entre as duas economias. Atualmente, cerca de 3,7 mil companhias dos EUA operam no Brasil, concentrando-se em segmentos de alto valor agregado, como indústria de transformação, serviços financeiros e tecnologia da informação.
Os investimentos de empresas americanas no Brasil mais que triplicaram na última década, passando de US$ 108,7 bilhões em 2014 para US$ 357,8 bilhões em 2024, segundo levantamento da CNI. A Mapfre Investimentos aponta que a escalada de tensões comerciais pode reverter esse cenário, já que o objetivo principal de Trump é repatriar investimentos e empregos para os EUA.
Apesar dos desafios, o Brasil mantém sua atratividade para investidores de longo prazo devido ao seu grande mercado interno, com mais de 200 milhões de consumidores, destaca Patterson.
Segmentos como tecnologia, energia e infraestrutura continuam atraindo bilhões em aportes. Gigantes como Microsoft e Amazon anunciaram investimentos combinados de quase US$ 6 bilhões em nuvem e inteligência artificial no Brasil desde 2020. A CloudHQ investe US$ 3 bilhões em data centers, e empresas como ExxonMobil, Chevron e Pfizer reforçam suas operações, diversificando o perfil de investimentos.
Como o tarifaço de Trump no Brasil afeta a compra de empresas?
Segundo Adam Patterson, sócio da Redirection International, o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) somado ao tarifaço dos EUA representa uma “carga dupla” que aumenta o custo de capital e reduz a previsibilidade do ambiente de negócios. Isso gera volatilidade no câmbio e incerteza regulatória, dificultando a análise de risco de investidores internacionais.
Parte das operações, especialmente aquelas que tinham como objetivo tornar o Brasil uma plataforma exportadora ou que usam insumos importados, tem sido suspensa até que o cenário se torne mais definido.
Escritórios de advocacia e butiques especializadas em fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) relatam casos de suspensão de negócios. A Brasilpar viu pelo menos duas operações voltadas à exportação entrarem em compasso de espera. Fundos de private equity, importantes investidores em M&A, também estão mais reticentes, pois uma desvalorização cambial pode comprometer o retorno em dólar para seus investidores.